Em 2010, o projeto será levado para delegacias do interior do Estado, onde for diagnosticada a necessidade, conforme adiantou o secretário de Estado de Defesa Social, Maurício Campos Júnior, presente à solenidade.
O Mediar é um desdobramento metodológico do programa Mediação de Conflitos, da Superintendência de Prevenção à Criminalidade (Spec) da Seds, que existe desde 2005 e é desenvolvido nos 22 Núcleos de Prevenção à Criminalidade, implantados na capital e interior de Minas. A metodologia baseia-se na implementação de técnicas para prevenir conflitos potenciais ou concretos, evitando que pequenos desentendimentos motivem ações violentas e criminosas entre as pessoas. O protocolo prevê a entrega de equipamentos (computadores, estabilizadores, impressoras e aparelhos telefônicos), além de mobiliário, às delegacias da Polícia Civil.
O projeto Mediar nasceu da constatação do delegado titular da Delegacia Regional Leste de Belo Horizonte, Anderson Alcântara Silva Melo, de que era preciso oferecer uma resposta mais concreta e uma ação continuada tanto nos casos comuns de conflitos como nos crimes de menor potencial ofensivo. Não bastava fazer o Boletim de Ocorrência. “Percebi que uma boa conversa, mediada por um profissional capacitado, poderia evitar muitos atos de violência e até mesmo mortes desnecessárias. Vi na mediação o procedimento mais adequado para o cidadão retomar a responsabilidade por suas ações e se implicar na resolução dos conflitos”, explica o policial civil.
O secretário Maurício Campos disse que a meta é expandir o Mediar para outras delegacias regionais do Estado, nos municípios onde for diagnosticada sua necessidade. “Acredito que isso seja plenamente possível porque não é um projeto caro. Bastam alguns equipamentos, como mobiliário e computadores, e a capacitação dos profissionais”. Ele acredita que agora é o momento de potencializar o trabalho e lembrou que muitos homicídios têm motivações banais que poderiam ser contornadas por meio de técnicas específicas de escuta e construção de diálogo. “Nosso papel é nos anteciparmos, ir a campo, oferecer corpo técnico adequado, buscando a dissolução dos conflitos”, defendeu.
Mesma opinião tem o chefe da Polícia Civil de Minas Gerais, delegado-geral Marco Antônio Monteiro de Castro. Para ele, atuar preventivamente junto a conflitos potenciais significa reduzir o número de ocorrências, de inquéritos policiais e, por conseguinte, de violência. “Qualquer um de nós já passou por algum problema que poderia ser resolvido pela mediação. Acho que o programa é referência e deve ser expandido para todo o Estado”.
A superintendente de Prevenção à Criminalidade da Seds, Fabiana de Lima Leite, reitera que, em 2010, o projeto será levado ao interior do Estado, e acrescenta: “Estou feliz em ver como a Polícia Civil incorporou o conceito, institucionalizou, está criando instrumentos jurídicos adequados e o quanto também a Seds está envolvida nesse processo”, disse.
A parceria com o programa Mediação de Conflitos viabiliza a capacitação continuada dos agentes de polícia para atuarem como mediadores, além da contratação de técnicos e estagiários das áreas de Direito e Psicologia. Há consonância entre o trabalho desenvolvido pela Spec e o Mediar, pois a experiência de realizar mediação em 22 áreas com altos índices de criminalidade reforça a identidade das duas instituições, possibilitando a produção e a análise de estatísticas que proporcionam um aprofundamento da dinâmica criminal local.
O projeto Mediar trabalha ainda o conceito de integração das polícias, pois conta com um policial militar entre seu corpo de mediadores, com a peculiaridade de não exercer o ofício fardado, de modo a preservar a voluntariedade do participante da mediação. “Trata-se de uma proposta progressista, desafiando os policiais ao aprendizado de uma nova doutrina e cultura, mas quando se permite a tentativa, os resultados são gratificantes”, ressalta a diretora do Projeto Mediação de Conflitos, Karina Brandão Cambraia.
Principais demandas são desavenças entre ex-casais
Os casos mais indicados para serem tratados pelo Mediar são aqueles que envolvem relações pessoais ou profissionais que tendem a perdurar. Questões que possuem como pano de fundo relações familiares, de vizinhança ou profissionais são as mais recorrentes. No Núcleo de Prevenção à Criminalidade do Barreiro, em Belo Horizonte, a psicóloga Gabriela Teixeira conta que a maior demanda é pela resolução de conflitos entre ex-casais (em processo de separação), mas também há muitas questões envolvendo vizinhos.
Um caso exemplar é o do vigia noturno João Dias (nome fictício) que não se conformava com o barulho de uma organização não governamental (ONG) voltada para o atendimento de crianças. “Eu trabalho à noite, precisava descansar durante o dia e não conseguia”, relata ele. Cansado e angustiado, decidiu procurar os profissionais do Mediação. Depois de ouvir as versões dos dois lados, os técnicos marcaram um encontro entre as partes. “A situação não foi resolvida de uma hora para outra. Aconteceram novas reuniões. Mas só a disposição em conversar e em ouvir o outro já é meio caminho andado”, ressalta Gabriela. A psicóloga lembra que o mais importante nesse caso é que o programa deu autonomia para que o próprio João procurasse os responsáveis pela ONG sempre que queria conversar. Ao final, o “barulho” perdeu alguns decibéis e chegou a um nível tolerado pelo vigia noturno.
No Núcleo da Pedreira Prado Lopes, um dos casos mais marcantes também envolveu vizinhos, com direito a ameaça com faca, tiro para o alto e agressão com uma pedra de cinco quilos. Dona Rosa não concordava com a construção que vizinho Josias tentava levar adiante porque “atrapalharia a vista de sua janela, além de tirar-lhe a privacidade”. A psicóloga responsável, Eunice Resende, relata que os dois já estavam tão desgastados um com o outro que não se escutavam mais. O programa possibilitou a abertura do diálogo e, ao final, chegou-se a um acordo, que foi documentado por escrito: Josias se comprometeu a construir sua casa de forma que não prejudicasse Rosa e eles voltaram a conviver em paz.
Situação que também terminou em harmonia foi encaminhada pela 7ª Delegacia de Polícia e envolveu um casal que não conseguia chegar a um consenso sobre o pagamento da pensão ao filho. Eunice conta que os dois brigavam muito e a mulher, Irene Rodrigues, chegou a registrar queixa na Delegacia de Mulheres por agressão verbal em público. Depois de alguns encontros mediados pelos técnicos do programa, os dois voltaram a conversar civilizadamente. Irene, com sintomas de depressão, foi encaminhada ao médico e começou a fazer terapia. “Fiquei surpresa com o profissionalismo de todos. Me senti acolhida, cuidada. Pude rever minha maneira de ser, enxerguei outras possibilidades e até reconstruí meu casamento”, conta ela. Para a psicóloga, a maior recompensa pelo trabalho é essa: assistir a transformação das pessoas, fazê-las acreditar que são capazes de mudar, recuperando a dignidade e a autonomia.
Dos resultados
O Projeto Mediar piloto gerou uma surpreendente diminuição de 47% dos registros de ocorrência e, em conseqüência, também de lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), entre os anos de 2006 e 2007. Os dados se referem ao contexto da Delegacia Regional Leste, uma vez que as outras delegacias regionais acabaram de iniciar seus atendimentos.
No ano de 2008, ocorreram 224 casos de mediação que geraram 726 atendimentos – uma vez que um caso demanda mais de um atendimento; destes, 113 resultaram em acordos. Como isso, a redução de ocorrência foi da ordem de 506 registros a menos, também comparando-se os anos de 2006 e 2007.
Fontes: Irene Rodrigues: 8758.2501
Rosa: 3428.255