Eles já sentiam o gosto da liberdade todos os dias quando saíam para trabalhar. Agora, em vez de voltar para as celas no fim da tarde, vão direto para a escola, onde desfrutam mais três horas de convívio social. Essa experiência inovadora começou há pouco mais de dez dias para 14 sentenciados da Penitenciária Francisco Floriano de Paula (PFFP), no distrito de Vila Nova Floresta, no município de Governador Valadares. Trata-se de uma parceria entre as Secretarias de Estado Defesa Social (Seds) e de Educação (SEE) e a Vara de Execuções Penais (VEP) da comarca.

 

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Presos matriculados na escola da penitenciária abandonavam os estudos assim que adquiriam o benefício de trabalho externo. Isso porque as unidades prisionais não ofertam ensino à noite por razões de segurança. O preso optava pelo benefício que iria lhe garantir uma renda mínima no presente e lhe dar a perspectiva de sustento no futuro, observa o juiz da VEP de Governador Valadares, Thiago Counago.

Ele ressalta que a Lei de Execuções Penais diz que o preso tem os dois direitos, de trabalhar e de estudar, e não um ou outro. “Além disso, estamos facilitando a recolocação dos presos na sociedade, uma vez que eles passam a participar mais dela”, afirma.


Acolhimento


De fato, na Escola Estadual Antônio Job da Cruz, os presos se sentam ao lado de moradores do distrito. Na sala do 1º período do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), por exemplo, são 24 alunos, dos quais apenas cinco são sentenciados da penitenciária. Já no primeiro dos anos finais do Ensino Fundamental, correspondente à 6ª série regular, são sete detentos, maioria na turma, que soma dez alunos.

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A diretora Maria Ângela Andrade Costa conta que avisou antes os demais alunos sobre a chegada dos presos. Segundo ela, houve certa apreensão e alguns chegaram a perguntar se haveria vigilância de agentes penitenciários durante as aulas, o que não ocorre, assim como no trabalho externo. A diretora diz que os primeiros dias foram suficientes para afastar os temores.
Da parte dos presos, chama a atenção o desejo de se integrar. “Pediram para usar os uniformes da escola – e serão atendidos – e para guardar aqui o material escolar deles, o que já garantimos com o fornecimento de pastas, etiquetadas com o nome de cada um, que ficam num armário da secretaria”, conta Maria Ângela.


Oportunidade


A diretora de Atendimento e Ressocialização da PFFP, Renata Araújo, explica que a oportunidade de estudar fora foi oferecida aos 48 detentos do regime semiaberto que atualmente têm trabalho externo, a maioria em propriedades rurais do entorno da penitenciária. “Só levamos para fazer as provas de classificação aqueles que realmente queriam e se disseram dispostos a respeitar as regras de uma escola sem grades.”

Disposição para agarrar as oportunidades é o que não falta a João Antônio da Silva, de 40 anos de idade. Até porque ele teve poucas na infância e na adolescência. Filho de lavradores do distrito de Aldeia, no município de Cuparaque, morava longe da escola e teve de começar a trabalhar muito cedo. Foi alfabetizado quando chegou à penitenciária, depois de dois anos e meio no presídio de Conselheiro Pena. Desde o começo de 2015 ele tira leite na propriedade da família Valadares. Faz o percurso de quase quilômetros numa bicicleta.

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Agora classificado para cursar os anos finais do Ensino Fundamental, João Antônio comemora a retomada dos estudos. “Vai me preparar melhor para quando eu ganhar o regime aberto em 2018, quem sabe antes, somando a remição (de pena) do trabalho com a do estudo”, diz. De fato, a cada dia trabalhado e a cada 12 horas de estudo, o condenado tem descontado um dia na pena a cumprir.


Afeição


Curiosamente, João Antônio reencontra o patrão na escola. Atualmente secretário da E.E. Antônio Job da Cruz, Marcos Valadares é servidor há 15 anos da SEE. Como foi um dos primeiros produtores rurais a empregar presos da PFFP, há cerca de sete anos, Marcos tem autoridade para avaliar as chances de sucesso da parceria com a Seds.

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“Normalmente, assim como tem sido com o João Antônio, os presos agarram a oportunidade. Além disso, se afeiçoam à gente. Volta e meia recebo visitas de ex-empregados que já estão em liberdade. Tomam um café, às vezes vêm pra almoçar”, conta Marcos, que, por vários anos empregou ininterruptamente quatro presos. Segundo ele, o único episódio negativo de que se lembra foi a fuga de dois detentos que estavam distantes da sede da propriedade, roçando uma área de pastagem.

O produtor rural Dilermando José dos Reis, de 62 anos, acrescenta que não só recebe visitas de ex-condenados, como vai visitar alguns que retomaram a vida em liberdade e continuaram na região. Atualmente, Dilermando tem 16 empregados na fazenda, dos quais 10 são detentos. Diariamente, por volta das 7h da manhã, ele reúne todos numa roda e puxa algumas orações para, como ele pedir proteção e agradecer a Deus.

“Sou rígido com eles para que o trabalho seja realizado, mas trato com respeito. Falo sempre que a oportunidade está sendo dada, mas que a ressocialização depende do esforço deles”, diz o fazendeiro.

Fotos: Omar Freire/Imprensa MG

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