Em apenas seis meses, o número de
trabalhadores do sistema praticamente dobrou. Marcenaria, fabricação de
blocos, construção civil, padaria, costura e mecânica são apenas alguns
dos ofícios disponíveis dentro de uma variada gama de possibilidades.
Isso tudo não é fruto do acaso. O programa “Trabalhando a Cidadania”, desenvolvido pela Superintendência de Atendimento ao Preso (Sape) da Suapi, por meio da Diretoria de Trabalho e Produção, não tem medido esforços para, cada vez mais, oferecer dignidade aos presos através de uma política de humanização. O programa prevê a reinserção social de indivíduos privados de liberdade com ações planejadas e coordenadas, que procuram atender o preso em todas as suas vertentes. Para isso, conta com o apoio técnico de uma equipe interdisciplinar composta por médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, educadores, advogados, administradores, entre outros profissionais. A ideia é contribuir para que o recluso aprenda a respeitar o seu semelhante e a sociedade, para onde, um dia, ele acabará voltando.
Desafios
O superintendente da Sape, Guilherme Augusto Faria Soares, atesta que a utilização da mão de obra de presos é uma poderosa ferramenta de ressocialização. “O trabalho é uma ponte para um futuro vivido com dignidade. E, para isso, precisamos da participação efetiva da sociedade, que é um dos pilares desse processo. Nossos desafios são educar, treinar e preparar esses indivíduos, devolvendo-os à sociedade como cidadãos recuperados. Assim, conseguimos operar mudanças no comportamento dos presos, aumentando as chances de reinserção no mercado e minimizando as reincidências na prática de atividades criminosas”, explica.
Para que isso aconteça, tem sido firmadas parcerias com empresas de pequeno, médio e grande porte, órgãos da administração municipal e estadual, entre outros, por meio da assinatura de termos de cooperação técnica, que hoje chegam a mais de 200. O estabelecimento do convênio com a Seds para absorção de mão de obra de detentos exige alguns procedimentos específicos por parte dos interessados. Em primeiro lugar, é preciso ir à unidade prisional e procurar o gerente de produção. Na sequência, será entregue um formulário que deverá ser preenchido com dados da empresa. De posse do documento, o gerente o enviará para a Diretoria de Trabalho e Profissionalização, em Belo Horizonte, que avaliará o conteúdo. Se a proposta for aprovada, será confeccionado termo de cooperação técnica e plano de trabalho para que se dê início efetivo à parceria.
Modernização
Um dos destaques do “Trabalhando a Cidadania” é a modernização, via sistema de Informações Penitenciárias (Infopen), que permite minimizar os trâmites burocráticos graças a um cadastro único de presos. O diretor de Trabalho e Produção da Suapi, Helil Bruzadelli, informa que Minas Gerais é o primeiro estado a ter um sistema totalmente informatizado. “Ele possibilita, no Módulo de Trabalho, que todos os fluxos de informação entre as unidade prisionais e a Diretoria possam ser mais ágeis e fidedignos. O sistema é capaz de emitir atestados de dias trabalhados ao Tribunal de Justiça para fins de remissão, assim como a quantificação, dia a dia, da evolução de presos trabalhando, as parcerias, a produção da unidade, oficinas e profissionalização”, enumera.
Minas também será pioneira, em breve, no quesito pagamento de presos. Um convênio entre a Seds, Banco do Brasil e Visanet permitirá que o detento que exerce atividade remunerada seja regularizado junto à Receita Federal através do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), recebendo o salário via cartão magnético. “Isso trará mais segurança, transparência e agilidade, não somente aos presos, como também às suas famílias”, afirma Helil.
Parcerias
Entre as várias parcerias firmadas com a Seds para aproveitamento da mão de obra de detentos está a empresa multinacional Da Granja, do grupo Marfrig, parceira do Presídio de Passos, no Sul do Estado. Ela contratou 30 presos, podendo chegar a 55, com remuneração de um salário (R$ 510,00), mais cartão de alimentação no valor de R$ 63,00. Os detentos beneficiados são dos regimes fechado e semiaberto.
A detenta Cláudia Cristina Mezêncio, 41 anos, que cumpre pena no regime semiaberto, é uma das selecionadas para trabalhar na empresa. Ela atua na área de eviscerados, ou seja, na retirada e separação de miúdos de frangos. “Para mim, foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Podemos conversar com as pessoas, fazer amizades, sem desrespeito. E ninguém pode imaginar o tamanho da minha satisfação em mandar dinheiro para ajudar os meus filhos, mesmo estando presa. Isso não tem preço”, testemunha.
A coordenadora de Recursos Humanos da empresa Da Granja, Janete Albuquerque Costa, explica que a ideia de contratar presos veio por acaso. “A empresa cresceu e passamos a precisar de mais mão de obra. Então pensamos em dar uma oportunidade a pessoas que têm dívida com a justiça, mas que podem ser trabalhadoras e profissionais como nossos demais funcionários”, explicou. Ela enfatiza que todos são tratados como iguais e que contam com total aceitação dos colegas e superiores: “Os presos fazem as refeições junto com todos os outros, assistem palestras, tomam bronca. Isso causa um efeito tão positivo que eles passam a se sentir efetivamente dentro da sociedade e não somente dentro da empresa”.
A TEM Eletrônica Ltda. firmou parceria com o Complexo Penitenciário Feminino Estêvão Pinto (PIEP), de Belo Horizonte. Dezoito presas fazem a montagem de placas eletrônicas em galpão dentro da própria unidade. Adriana Aparecida Lopes, 37 anos, não esconde a alegria de ser uma das contempladas com o serviço. “Além da remissão, do salário e da dignidade que eu estou resgatando aqui, ainda tive a promessa de ser contratada depois que sair da prisão”, conta.
Oportunidades
A Prefeitura Municipal de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), também tem dado oportunidade a 160 detentos dos regimes aberto e semiaberto, custodiados nas unidades prisionais da cidade. As atividades exercidas vão desde capina e jardinagem a serviços de pedreiro, eletricista, bombeiro hidráulico, conservação em geral e reforma de uniformes para a rede pública municipal de saúde. Os detentos são chamados gradativamente, de acordo com a necessidade de mão de obra. A remuneração dos presos fica por conta da Seds, de acordo com o disposto na Lei de Execuções Penais, ou seja, três quartos do salário mínimo (R$ 348,75).
Carlos Augusto dos Santos, 45 anos, é um dos beneficiados pela parceria. Ele reforça que a iniciativa ajuda o preso a voltar à sociedade e a mudar sua perspectiva de vida. “A gente começa a refletir e se arrepende das coisas que fez, do nosso passado. Agora já consigo colocar a cabeça no travesseiro e dormir mais tranquilo. Não adianta existir todo um processo de ressocialização se a gente não quiser mudar. É essa a diferença. Nós estamos aqui porque queremos fazer diferente”.
A empresa Colchões Toraflex, que paga ¾ do salário mínimo a cerca de dez presos da Penitenciária Professor Jason Soares de Albergaria, no município de São Joaquim de Bicas, também na RMBH, é outra parceira. O dono empresa, Márcio Eustáquio da Silva relata sua experiência. “Resolvi ajudar no processo de ressocialização de detentos. Quase 10% dos meus funcionários são presos. Quatro deles, depois que se desvincularam do sistema, foram contratados. Os funcionários nessa condição apresentam um rendimento bem superior aos outros trabalhadores, mostrando-se mais responsáveis e aplicados”, conta.
Benefícios
Denilson Nunes da Costa, 37 anos, do semiaberto, informa que cumpre pena há 10 anos e nove meses e, há um ano e cinco meses conseguiu a oportunidade de integrar o quadro de funcionários da Toraflex. “Sempre tive bom comportamento, e a minha chance chegou. Embalo colchões e vistorio a qualidade deles, com muito rigor. Procuro fazer bem o meu trabalho, pra ninguém queixar depois. Meu patrão é ótimo, assim como meus colegas de trabalho. Aqui não há preconceito, sou um trabalhador comum. Assim fica mais fácil, depois de tantos anos preso, voltar com a cabeça erguida pra sociedade”.
Todos os presos que trabalham são beneficiados com a remissão de pena, ou seja, a cada três dias trabalhados, menos um no cumprimento da pena. Além disso, é necessário que haja autorização judicial. Quanto ao valor recebido – mínimo de 75% do salário - metade é entregue ao preso e a outra metade é dividida da seguinte forma: 25% para o pecúlio (conta em banco resgatada após o desligamento do sistema), e 25% para o Estado, como forma de ressarcimento.
Ensino e Profissionalização
Graças à modernização e expansão do sistema, dezenas de oficinas foram implantadas nas unidades prisionais, proporcionando aos detentos cursos profissionalizantes. É uma interface criada pela Superintendência de Atendimento ao Preso (Sape) para aliar teoria e prática. A diretora de Ensino e Profissionalização da Suapi, Sandra Regina Lopo, ressalta que os cursos contribuem para o desenvolvimento e a promoção social, através da formação e da qualificação profissional. “O ensino e o trabalho devem andar sempre juntos, porque é necessário ter uma bagagem mínima para atuar depois. A Diretoria de Trabalho e Produção fecha a parceria e nós propomos o curso, com posterior certificação. Dessa forma, gerentes de produção e pedagogos das unidades prisionais atuam conjuntamente e de maneira alinhada”.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) renovou convênio com a Diretoria, beneficiando 16 unidades prisionais em todo o Estado com cursos de agricultura, agropecuária, cultivo de grãos e plantas, fruticultura, olericultura, floricultura e plantas ornamentais, entre outros. Para o segundo semestre deste ano, está previsto o oferecimento de cursos de mecânica, marcenaria, tornearia, serralheria, costura completa, costura overlock e reta, padaria, pré-moldados e concretos, dessa vez contemplando presos de 47 de unidades.
Crédito de foto: Arquivo Seds