“Eu tenho 36 anos e sou mais uma estatística. Sou um jovem negro de periferia, que as primeiras coisas que viu quando saiu de casa foram as drogas, o crime e o assassinato. Mas lá onde eu morava também tinham pessoas que viam isso e foram pelo caminho certo. Eu sempre quis ser bandido. Estranho, né? Não. A gente é o que a gente quer ser. Eu sou o que eu via nas ruas”. É assim, com voz firme, mas sem afetação, que o detento Wellington Romano, do Presídio Regional de Ibirité, começou a sétima palestra fora das grades. As primeiras seis foram para adolescentes de escolas públicas da cidade. Ele já falou para mais de mil pessoas.
Na tarde da última terça-feira (14.07) Wellington saiu mais uma vez e, algemado, entrou na gaiola de uma viatura do sistema prisional. Desembarcou em uma indústria de embalagens de metal, onde o esperavam cerca de 50 empregados, entre jovens e adultos, homens e mulheres. A palestra fez parte da programação da Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho (Sipat).
Livre das algemas, mas sob vigilância de agentes de segurança penitenciários, Wellington assumiu o microfone, de pé, e encarou a plateia silenciosa e atenta. Ele relembrou detalhes da sua infância na favela e falou da vontade que todo garoto pobre como ele tinha de conquistar o mundo. Disse que, para ele, a satisfação do desejo se deu desde cedo pela trilha do crime. Cometeu o primeiro furto aos 11 anos de idade. Começou subtraindo iogurte nos supermercados. Viu que era fácil e que tinha certo “dom” para furtar e não ser descoberto.
Preso há seis anos, Wellington diz que buscou inspiração nos textos bíblicos para empreender a mudança interna. Mas ele rejeita o proselitismo nas palestras e não tem nem mesmo uma religião definida, apesar da intensa atividade no presídio da Pastoral Carcerária, da Igreja Católica, e de pastores da Igreja Batista. O detento tampouco se coloca como vítima das mazelas sociais.
Com facilidade para se expressar em público, ele diz que poderia ter seguido caminhos diferentes, mas entrou no mundo da criminalidade por escolha própria. Na infância viveu solto pelas ruas da favela. Não culpa a mãe. Pelo contrário. Diz que ela trabalhava todo o dia para conseguir manter sozinha a família, na ausência do pai que Wellington não conheceu.
O condenado conta que em três anos de tráfico adquiriu duas casas, dois carros e uma moto. Perdeu tudo depois que foi preso. Ele exalta o irmão que não seguiu o caminho do crime, e levou 15 anos para conseguir a casa própria e um carro. “Mas agora ele pode curtir essas conquistas suadas do lado da família, enquanto eu estou separado da minha mulher e das minhas três filhas. A mais nova, de três anos de idade, acha que a cadeia é o meu lar”, compara Wellington.
Exemplo
Na Escola Estadual Gyslaine de Freitas Araújo, em Ibirité, cerca de 500 alunos do Ensinos Fundamental e Médio já ouviram a palestra. A diretora Giovana Xavier garante que a iniciativa de levar um presidiário à escola para contar a sua vida fez com que muitos alunos mudassem o comportamento dentro e fora das salas de aula.
“Muita coisa do que ele falou durante a sua exposição nós levamos para ser discutido na sala de aula. A questão das regras foi uma delas. Os adolescentes acham que presídio é uma bagunça e que não tem regras. Agora, cientes de que as regras existem e devem ser cumpridas até mesmo nos presídios, percebemos uma mudança no comportamento dos alunos”, disse a diretora, que passou a indicar a palestra de Wellington para colegas de profissão que atuam em outras instituições de ensino.
Trabalho
O presidiário também adotou o trabalho como instrumento de mudança. Ele fez parte da primeira turma que se formou no curso de cabeleireiro, oferecido dentro do Presídio Regional de Ibirité, graças a parceria com um empresário da cidade. Aprendeu tão bem o ofício que se tornou instrutor do curso já na segunda turma.
Durante três meses, três presos são capacitados por turma: aprendem a manusear navalhas e tesouras e praticam os cortes nos próprios presos da unidade, que fazem filas para serem atendidos. Por dia, Wellington chega a auxiliar cerca de 15 cortes durante as aulas.
O condenado garante que a liberdade trará uma vida nova para ele e para a família. Além de buscar espaço no mercado de trabalho com a profissão que aprendeu, Wellington diz que pretende continuar contando a sua história para que mais pessoas saibam que é possível mudar a própria vida.
Ele termina a palestra com a seguinte mensagem: “Tudo começa com um baseado, depois vem o pequeno furto. O errado começa pequeno e se torna algo grande. Olha eu aqui: desde 2009 preso. Três filhas que conhecem mais a minha ausência do que a minha presença. As minhas filhas tem que saber que eu errei e estou pagando. Não estou perdido. Estou livre. Do presídio ainda não, mas do crime, sim.”
Por Flávia Lima
Crédito fotos: Marcelo Santana