“Tive a sorte de sair do crime e o crime sair de mim.” É desta forma que o jovem Marcos Hendrix*, 21 anos, analisa os frutos colhidos nos dois anos e três meses de internação no Centro Socioeducativo Santa Helena, em Belo Horizonte. Atualmente, ele trabalha de garçom em um restaurante no bairro de Lourdes, estuda inglês e ajuda no sustento da família.
Marcos Hendrix conta que o centro de internação o ajudou a “organizar” sua vida. “Recebi ajuda para tirar a carteira de trabalho, o título de eleitor, e ainda tive o privilégio de estar com pessoas dispostas e preparadas a ouvir minhas angústias.”
Graças ao bom atendimento no primeiro restaurante onde trabalhou, em Belo Horizonte, Marcos recebeu o convite de um cliente, executivo de uma grande rede hoteleira, para aprender o ofício na área de alimentos e bebidas em um hotel no Rio de Janeiro. Lá permaneceu por oito meses, mas devido ao falecimento de um parente, retornou para BH. “Receber um elogio é melhor do que uma caixinha caprichada. Os bons profissionais sempre são reconhecidos, por isso sempre faço o melhor possível.”
Esta é apenas uma das muitas histórias de jovens que cumpriram medidas socioeducativas de internação, semiliberdade ou em meio aberto em Minas Gerais e que tiveram suas vidas transformadas.
Na conquista do mercado de trabalho, há exemplos de internos que tornaram-se microempreendedores, alguns com ganhos de aproximadamente cinco mil reais por mês. É o caso de Victor Jonhson*, 20 anos, dono de um salão de cabeleireiro em Belo Horizonte desde o início de 2014.
“Quando cumpria a medida de internação, aos 17 anos de idade, fiz um curso de cabeleireiro de três meses. Ao sair do centro, comecei a cortar cabelo de amigos e parentes em casa, depois aluguei um espaço e não parei mais” relata Victor. Também no Centro Socioeducativo, ele fez um curso de fotografia e concluiu o ensino médio.
Já Wesley Teixeira *, durante a passagem de quase um ano num centro de internação de Belo Horizonte, teve a oportunidade de fazer um curso com duração de seis meses de Aprendizagem Industrial e Processo Administrativo aplicado pelo Senai. A formação lhe valeu um estágio na operadora de telefonia Oi.
Wesley parece ter rompido definitivamente com a tumultuada trajetória anterior, que incluiu uma temporada de mais de um ano foragido depois de cometer o ato infracional. Olhando para frente, ele conseguiu a certificação do Ensino Médio na prova do Enem de 2014, poucos meses depois de deixar definitivamente o centro de internação. Melhor, conseguiu uma vaga para o segundo semestre de 2015 no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Ele diz que o desejo de estudar pedagogia nasceu dentro do centro de internação. “Vi muitos colegas envolvidos no crime e com um enorme potencial desperdiçado. Talvez, em um futuro não muito distante, eu possa ajudar outros jovens em situação semelhante”, revela Wesley.
O Superintendente de Gestão das Medidas de Privação de Liberdade da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase), Bernardino Soares de Oliveira, explica que o suporte psicossocial aos jovens é o principal foco dos agentes socioeducativos e dos profissionais da área técnica, como psicólogos, pedagogos, professores, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e assistentes jurídicos. Mas, segundo Oliveira, a formação profissional, paralela à escolarização, tornou-se prioridade no Sistema Socioeducativo de Minas.
“Em geral estes jovens chegam com uma grande defasagem escolar e vivem em condições de exclusão social. Por isso, priorizamos o processo educacional e profissional, visando à inserção na escola formal integral e no mercado de trabalho”, explica o superintendente.
Se Liga
Para ajudar jovens no retorno ao convívio social, a Suase implantou o programa Se Liga, que dá continuidade às ações de escolarização e formação profissional dos jovens durante o cumprimento de medidas.
O programa é de livre adesão, sendo que cada adolescente pode escolher de que forma irá participar, considerando os eixos saúde, profissionalização, educação, família, trabalho e renda. Nessa perspectiva, a proposta é que o jovem consiga extrair, da oferta apresentada, uma utilidade que contribua para a sua trajetória fora da unidade socioeducativa e que possibilite novas conexões com a cidade. De janeiro a abril de 2015 o Programa Se Liga atendeu 299 jovens e, em 2014, foram 513.
*Foram utilizados nomes fictícios para preservar a identidade dos jovens.
Por Bernardo Carneiro
Crédito foto: Henrique Chendes/Imprensa MG