O Molinha vai para a França, dar aulas de capoeira. Este é o assunto do momento, comentado com muita felicidade por jovens e técnicos do Programa FICA VIVO! do Aglomerado Santa Lúcia, em Belo Horizonte. O adolescente Gabriel Nascimento Ferreira, de 17 anos, recebeu o apelido aos cinco anos pela flexibilidade do corpo que favorece a execução dos movimentos da capoeira. Nos próximos dias, Molinha viajará para a França, onde ficará inicialmente por três meses, com possibilidade de estender a permanência.
“Eu era um pedacinho de gente quando comecei a jogar capoeira. O Programa FICA VIVO! me ajudou a continuar firme no esporte e manter o pensamento e ações para atitudes saudáveis”, relata Gabriel, que hoje tem 1,81m de altura e ajuda a ensinar a arte para crianças e adolescentes, incluindo seu irmão Mateus, de oito anos, conhecido como Louva-Deus na Oficina de Capoeira do programa.
Os apelidos são uma tradição na capoeira. Não se trata de bullying, explica o professor e oficineiro Márcio, que desde a implantação do FICA VIVO!, em 2006, acompanha Gabriel e muitos outros jovens e crianças.
Assim como nas outras atividades oferecidas pelos Centros de Prevenção à Criminalidade da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), o papel do oficineiro vai além de ensinar, no caso, a capoeira, que é dança e luta ao mesmo tempo. “Procuro sempre conversar sobre a importância de buscar os caminhos corretos na vida. Não se envolver com drogas, estudar e respeitar a família.”
As oficinas favorecem e estimulam o acesso dos jovens aos serviços e espaços públicos, o exercício do direito de ir e vir, além de discutir temas relacionados à cidadania e aos direitos humanos e criar espaços de resolução de conflitos e rivalidades.
Descoberta
O primeiro contato de Gabriel com a capoeira deu-se na rua José Bonifácio, perto da Praça do Amor, no Aglomerado Santa Lúcia. Da porta de casa, o menino viu passar o Mestre Pantera, que hoje ensina em Barcelona, na Espanha, vestido com a roupa branca, a corda na cintura, acompanhado de vários alunos, caminhando em direção a uma quadra de esportes. A cena se repetia quase todos os dias até que Gabriel tomou coragem. Convidou-os a entrar para pedir aos pais para participar do grupo de capoeira. “Consegui autorização, pois meu pai tinha sido capoeirista e deu todo o apoio. Virei um fominha das aulas, chegava antes da hora e fazia duas aulas seguidas.”
Gabriel, lembra que, na época, dois movimentos da capoeira executados pelo Mestre Pantera o impressionaram: o Aú e o Macaco. O primeiro é conhecido pelos leigos por estrela, no qual o capoeirista ergue as pernas apoiando as mãos no chão, fica de ponta cabeça com as pernas abertas e em seguida cai com uma perna, depois com a outra, fazendo um semicírculo no ar. Já o Macaco consiste em apoiar uma mão no chão, atrás do corpo agachado e saltar apoiando a outra mão, levando os dois pés juntos ou separados.
“Ali, a capoeira virou paixão. E é isso que vou levar para a França. Estou ansioso demais, quase não consigo dormir com a proximidade da viagem. Jamais imaginei que um dia iria ensinar o Aú, o Macaco e tantos outros movimentos fora do Brasil’, revela o futuro professor.
Em 2008, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) elevou a capoeira à condição de Patrimônio Cultural Brasileiro. Em novembro 2014, foi a vez da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) reconhecer a capoeira como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Abrangência
O Programa FICA VIVO! está presente nas quatro Vilas que compõem o Aglomerado Santa Lúcia: Estrela, Barragem, Santa Rita de Cássia e São Bento. São oferecidas 11 oficinas que incluem atividades esportivas e artísticas, atendendo cerca de 300 jovens por mês.
A gestora do Centro de Prevenção à Criminalidade Santa Lúcia e Serra, Mayesse Parizi, explica que não há necessidade de inscrição e nem data de fim ou começo das oficinas. “O objetivo é atender os jovens a qualquer momento que eles cheguem, o importante é acolher e integrá-los nos grupos”, diz Mayesse.
Por: Bernardo Carneiro
Crédito fotos: Henrique Chendes/Imprensa MG