A antiga sala da casa de Vera Lúcia Martins Lisboa, a tia Verinha, se transformou em uma biblioteca que hoje conta com um acervo de mais de dois mil livros. Não se trata de uma biblioteca convencional: não há limite de prazo para a entrega do volume, tampouco anota-se para quem o empréstimo foi feito. A ideia é que os leitores se atentem para a importância da coletividade, da responsabilidade e da sensação de pertencimento a uma comunidade, onde é preciso zelar pelo patrimônio público e pelo bem estar dos moradores. “Antes o projeto era dentro da minha casa. Hoje a minha casa é dentro do projeto”, diz orgulhosa a líder comunitária, referindo-se à proporção que o projeto tomou.
A casa aberta à comunidade fica localizada no bairro Conjunto Paulo VI, na região nordeste da capital. Mas não é só a sala da tia Verinha que é aberta aos moradores. A cearense de Juazeiro do Norte, que veio para Belo Horizonte aos 19 anos, abriu outros cômodos do seu lar. Na garagem, dez crianças passam o dia sob os seus cuidados. São crianças cujas mães não têm com quem deixar os filhos e precisam sair para trabalhar. E ali, naquele espaço, elas brincam, se divertem, recebem carinho, assistem desenho, pintam, são alimentadas e também descansam. Além da “creche”, na garagem são ofertadas aulas de balé e de informática aos sábados.
Tia Verinha, como é conhecida na comunidade, não mede esforços para transformar a realidade dos moradores. E é principalmente por meio dos livros que ela acredita na mudança. Aos 23 anos ela começou a comprar alguns exemplares e desde então nunca mais parou. É uma daquelas pessoas que acredita que uma biblioteca pode transformar o mundo. “Um biblioteca cheia de livros é algo lindo de se ver. Mas ver as prateleiras vazias é ainda melhor”, disse a líder comunitária, comentando o fato de ver seus livros serem emprestados sem ter certeza se eles serão mesmo devolvidos.
A vontade de ver cada vez mais pessoas lendo fez com que o projeto da biblioteca se expandisse e ganhasse um ponto de leitura no bairro. O local escolhido foi o Centro de Prevenção à Criminalidade (CPC) Ribeiro de Abreu, onde funcionam os programas Fica Vivo! e Mediação de Conflitos, da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). A parceria entre o CPC e os projetos da Tia Verinha é de longa data.
CPC Ribeiro de Abreu
A sala de espera para atendimento do CPC Ribeiro de Abreu era sem graça. Vazia. Apenas algumas cadeiras. Ali faltava cor e estímulo. Foi então que a Verinha, juntamente com a gestora do centro, Daniela Patrícia Miranda, pensaram em disponibilizar livros para que as pessoas que procuram os atendimentos diariamente pudessem ter acessos aos materiais.
O espaço ganhou prateleiras e centenas de histórias. Agora cerca de duzentos volumes compõem o ambiente. E a lógica do empréstimo é a mesma: leve para casa, leia e devolva no seu tempo, sem pressa. E engana-se quem pensa que ali estão dispostos livros velhos, daqueles que não despertam a atenção e que foram doados porque ninguém já nem olha mais pra eles. Nas prateleiras há Monteiro Lobato, Érico Veríssimo, José de Alencar, Luís Fernando Veríssimo, Machado de Assis, o mineiro Maurício Xavier, entre outras centenas de autores, que inclui a contemporânea J. K. Rowling, criadora de Harry Potter.
Segundo Daniela, as lideranças comunitárias são essenciais para os Centros de Prevenção à Criminalidade. “Nós construímos os planejamentos com as lideranças e com as comunidades. A gente não consegue chegar a todo mundo. São as lideranças que conseguem este alcance. O CPC não faz nada sozinho. Aqui, a tia Verinha é fundamental para o nosso trabalho”, ressaltou a gestora.
Programas Mediação de Conflitos e Fica Vivo!
O programa Mediação de Conflitos da Secretaria de Segurança Pública (Sesp) atua há dez anos em comunidades marcadas por altos índices de criminalidade violenta, para encontrar formas pacíficas de resolução de litígios. Espera-se que ao trabalhar o conflito de um sujeito, o resultado, consequentemente, também gere impacto positivo nos índices de criminalidade da comunidade.
Já o Fica Vivo! é um programa de controle de homicídios em territórios de alta vulnerabilidade social e elevados índices de violência. Opera com base em análises da dinâmica social das violências e investe em projetos de base local em rede com outras instituições dos territórios, oferece oficinas culturais, esportivas e faz atendimentos psicossociais. O Programa Fica Vivo! tem como público adolescentes e jovens de 12 a 24 anos.
Texto: Flávia Lima
Fotos: Carlos Alberto/ Imprensa MG