A condição de encarcerado não impede que a alma de escritores continue viva, como é conhecido na história da literatura brasileira e mundial. A novidade é a descoberta e o incentivo de talentos, dentro de uma escola do ensino médio e fundamental, que funciona na Penitenciária de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. A produção poética nasceu na Escola Estadual Rubem Tomich e deu origem à Revista Literária “Eu sou Poeta”, uma antologia de poemas lançada na conclusão do ano letivo de 2014, que já está na segunda edição. Os textos foram produzidos por alunos da modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), matriculados na escola da penitenciária. 

Capa da Revista Literária "Eu sou Poeta"


“Hoje eu percebi, que tudo não passa de ilusão, como eu vou sorrir, encarcerado na prisão!”. Este é um fragmento da poesia Liberdade, escrita por Marcos Vinícius dos Santos, de 31 anos, que integra a seleção de 43 poemas publicados na Revista Literária. A dor, a saudade, o arrependimento e o desejo de liberdade são temas recorrentes em quase todas as poesias. Na análise da professora de português da escola, Dória Michaelsen, os alunos “em cada linha, reforçam a força e a fé deles mesmos. A força significa coragem, um destemor em meio a um mar de incertezas, o desejo de muitos por uma mudança de valores. A fé só a entende quem a tem”.

No mesmo caminho de Autopsicografia, do poeta português Fernando Pessoa, o poeta/detento Marcos Vinícius “finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”. Ou seja, ele cria uma ilusão de uma dor que sente de verdade. Dos 43 poemas da revista, três são de Marcos, mas ele tem muitos outros guardados. “Escrevo em qualquer lugar, na sala de aula, no pátio, no corredor, no entanto é na cela, à noite, que tenho mais inspiração, bate uma solidão e saudade. As palavras saem como um desabafo, um alívio”, revela o poeta. Seu parente mais próximo está a mais de 300 quilômetros de distância e, por isto, ele recebe visitas esporadicamente. A mãe já fez algumas visitas, nos quase três anos em que está na unidade prisional, mas a irmã que mora em Rondônia ainda não conseguiu visitá-lo. Ele está ansioso para a progressão de regime, pois daqui a quatro meses passa para o regime semiaberto.

Marcos Vinícius em momento de criação.

 

Há inúmeras histórias de vida semelhantes às do poeta, e todas têm uma tônica: a esperança. O diretor-geral da Penitenciária de Teófilo Otoni, Ademilson Rodrigues Jardim, é testemunha do quanto a dedicação à arte e aos estudos influencia positivamente os presos da unidade. “Aqueles que estudam conseguem vislumbrar um futuro diferente para suas vidas, longe da criminalidade, e a incidência em faltas disciplinares é praticamente inexistente.”

Ensino e trabalho

A Escola Estadual Rubem Tomich, que funciona dentro da unidade desde 1989, teve no ano passado 150 alunos matriculados da alfabetização até o ensino médio, o que corresponde a 50% dos detentos da unidade. Dez presos concluíram no final de 2014 o ensino médio, com direito a formatura e becas confeccionadas pelos próprios detentos na alfaiataria da penitenciária.
Dois detentos cursam o ensino superior a distância, um passou para o quarto período de ciências contábeis e outro para o quinto período de administração. No último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a escola teve 50 inscritos, na faixa etária dos 22 aos 34 anos.

A penitenciária promove a ressocialização por meio da educação e do trabalho, conta com biblioteca atualizada e dentre as atividades ofertadas estão oficinas de horticultura, bovinocultura, alfaiataria, artesanato, pomicultura e serviços gerais de limpeza e manutenção. Na escola também são promovidos campeonatos de futsal, futebol e peteca, e um coral.

Em todo o Estado, cerca de 13 mil detentos trabalham em atividades de ressocialização. As ocupações são em segmentos como mecânica, serralheria, marcenaria, tornearia, costura e atividades agropecuárias. As ações são realizadas por meio de aproximadamente 300 parcerias entre a Secretaria de Defesa Social (Seds) e empresas de Minas.

Além disso, outros 8.500 estudam enquanto cumprem pena no sistema prisional mineiro. Eles representam cerca de 29% do total de presos condenados sob a custódia da Suapi.

Por Bernardo Carneiro