Embalado com as batidas do tantã, um tipo de tambor, e com o som de outros instrumentos musicais, um adolescente do Centro Socioeducativo São Francisco de Assis, de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, está soltando a voz e tendo a oportunidade de quebrar preconceitos e mudar o rumo da sua vida. Ele e outros cinco jovens fazem parte da banda Som da Liberdade, da oficina de música que funciona há cerca de dois anos na unidade. Além das apresentações em eventos do Centro Socioeducativo, o grupo se apresentou, recentemente, numa feira cultural realizada no centro da cidade.
A ideia da banda surgiu da paixão por música do agente socioeducativo Daniel Oliveira, lotado no sistema há sete anos. Ele, que estuda música desde os 13 anos, percebeu que podia usar a sua formação musical e trabalhar, por meio da melodia, o raciocínio, a concentração e o convívio social dos adolescentes.
“A direção da unidade acreditou no projeto e deu todo o apoio necessário para que ele entrasse em prática. Os três violões, um contrabaixo, um teclado e alguns instrumentos percussivos foram fornecidos pelo estado”, disse Daniel.
A oficina de música acontece toda quarta-feira, pela manhã e à tarde, e atende cerca de 20 jovens. O repertório mistura, em sua maioria, influências do funk nacional e do pagode. Mas os adolescentes também navegam por outros ritmos como o pop, também nacional, e por letras de cantores e grupos consagrados, como John Lennon e The Beatles. A participação na banda leva em conta a habilidade e a desenvoltura.
Vindo de uma família de músicos, o adolescente Enzo*, de 19 anos de idade, é um dos jovens que integram a banda desde a primeira formação. Atuando como vocalista e responsável pelo tantã, ele conta que já conhecia os ritmos, porque participou de várias apresentações com a família em shows e eventos, mas que os ensaios dentro da unidade o fizeram refletir e entender que a sua vida poderia ter um rumo diferente.
Enzo contou ainda que compôs a letra de uma música que foi apresentada num evento cultural da cidade. Como o tema era família, ele aproveitou para mandar uma mensagem aos jovens. Durante a apresentação, a banda teve a participação de um Beatbox, de Vitória, no Espírito Santo.
“Eu tô (sic) privado
É mó (sic) saudade!!!!
Mas, logo logo, vai cantar
A minha liberdade
Vou dar valor para quem me ama de verdade
Porque Jesus não me criou atrás das grades
Sei que sou forte e não desisto
Saí do crime e hoje sou um MC
Já fiz chorar e vou fazer minha mãe sorrir”
Violonista da banda, o jovem Eduardo*, 19 anos, disse que o que mais o motiva nas aulas da oficina é a interação que a música promove entre os jovens e os agentes e que, a cada dia, se sente mais feliz e com a certeza que irá superar o momento ruim e ter uma nova oportunidade.
“Hoje percebo como é diferente a vida no crime e longe dele. Com certeza a música me ajudou a compreender isso. Durante as oficinas, esquecemos que estamos acautelados. Meu sonho depois que cumprir a medida socioeducativa é seguir meus estudos e cursar, quem sabe, Engenharia Civil”, disse.
Sobre os ensaios, Marcelo*, 17 anos, que faz a segunda voz e toca xique-xique destacou que a experiência é muito boa e que todos ajudam um ao outro, trocam ideias, além de conhecerem os mais variados ritmos. “Essa iniciativa é para nosso bem e quero aproveitá-la. Cometi um crime e estou ciente que tenho que cumprir o que me foi determinado pela Justiça. Mas também acredito que posso mudar o meu destino.”
Atividades
Além da oficina de música, o Centro Socioeducativo São Francisco de Assis realiza também atividades de culinária; trabalho com feltro; corte de cabelo e higiene pessoal; práticas esportivas, onde são trabalhados assuntos como a importância de uma vida saudável; regras de convivência de grupo e habilidades sociais e informática.
Para a diretora-geral do Centro Socioeducativo, Kamilla Delfino, as atividades que acontecem na unidade ajudam a mostrar para a sociedade que o cumprimento da medida socioeducativa vai além do acautelamento em si. “A autoestima dos adolescentes melhora consideravelmente e eles têm a chance de experimentar outras possibilidades”, argumenta.
*Os nomes são fictícios.
Por Marcilene Neves