A detenta Juliana Paula da Silva, 24 anos, disse que será sempre grata à costureira Marília Alves por tudo o que tem aprendido. “Estou cortando e costurando calças, saias, vestidos. Quando acabar de pagar minha dívida com a sociedade, terei uma profissão”, festeja ela, que descobriu um talento que nem sabia que tinha. Marília devolve os elogios contando que, já nas primeiras oficinas, percebeu que as mulheres têm boa vontade, humildade para receber críticas e habilidades manuais surpreendentes.
Outra detenta, Roseni Batista, 35 anos, “craque” nas agulhas, passou de aluna a professora, ensinando tudo o que sabe às oficineiras e às outras companheiras, especialmente o artesanato em fuxico. “Hoje é um dia de muita alegria. Estou feliz por acreditarem na gente e nos darem esta oportunidade”, falou. O clima de solidariedade, aliás, domina os bastidores dos ensaios e das oficinas da Chame Chame, fundada há apenas um ano, com 600 integrantes e diversos “braços sociais”.
A coordenadora geral da escola, Sílvia Thomé, conta que vem de uma família grande e apaixonada pelo Carnaval. Como ela e os irmãos já ofereciam, no bairro, cursos de capacitação profissional, aulas de música e dança, decidiram fundar a escola, mas estavam com dificuldade para contratar mão-de-obra. Foi aí que surgiu a possibilidade de parceria com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds).
Troca justa
O diretor de Trabalho da Subsecretaria de Administração Profissional (Suapi), Marco Antônio de Andrade, ouviu uma entrevista do carnavalesco da escola, Mestre Affonso, que falava dos desafios enfrentados e, então, teve a idéia. “Pensei que seria uma troca justa: nós entraríamos com o trabalho e eles com a alegria e os ensinamentos”, lembra Marco Antônio.
“Não vou negar tivemos um pouco de receio de não conseguirmos cumprir os cronogramas. Afinal, temos necessidades prementes. Mas deu tudo certo”, disse Mestre Affonso, carnavalesco com 50 anos de história para contar. Ele acredita que este é um modelo que deve ser seguido por outras escolas de de samba de Belo Horizonte, do interior e até de outros estados. Afinal, nada melhor do que conciliar a alegria do Carnaval com a satisfação de contribuir para a ressocialização de pessoas que erraram, mas têm direito a uma nova chance.
Na opinião dele, caso a parceria se perpetue e seja ampliada, muitos presos podem se transformar em artistas plásticos, serralheiros, marceneiros, costureiros e até figurinistas. “Quantos talentos podem estar sendo despertados durante as oficinas? A gente quer transformar as pessoas por meio do samba”, defende Mestre Affonso.
Efeito regenerador
E é exatamente neste viés da recuperação por meio da arte em que o subsecretário de Administração Prisional, Genilson Zeferino, acredita. “O lúdico e o artístico alegram a alma das pessoas, resgatam autoestimas feridas e provocam um efeito regenerador indefensável”, falou. Embora a Suapi tenha planos de expandir o projeto no próximo ano, Zeferino acha que o mais importante agora é valorizar a idéia, inédita no Estado, e garantir que tudo esteja pronto e muito bonito até o dia do desfile. “De qualquer forma, estamos abertos a escolas que tiverem interesse em firmar parcerias semelhantes”, avisa.
Atualmente, a Suapi mantém 140 parcerias com empresas dos mais diversos ramos que utilizam mão de obra de detentos nos regimes fechado, aberto e semi-aberto. Além disso, 2 mil conjuntos completos de uniformes são produzidos pelos próprios detentos do sistema prisional por semana. Muitos deles trabalham na recuperação e manutenção das unidades prisionais, de prefeituras do interior e de escolas estaduais. Outros, como os da Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho, em Ipaba, são excelentes artesãos de móveis.
Na verdade, além de suprir a carência de profissionais para a função, a parceria entre a Seds e a Escola de Samba Chame Chame dá prosseguimento ao projeto do Governo de Minas, que visa a reinserção social dos detentos por meio da qualificação profissional. O pagamento feito aos presos equivale a ¾ do salário mínimo, sendo 50% entregues diretamente a eles, 25% para o pecúlio (conta em banco para o detento movimentar quando deixa a prisão) e outros 25% para o Estado, para pagamentos de custos de infra-estrutura. Na parceria, fechada para o Carnaval, as presas receberão a remuneração pactuada conforme o número de dias trabalhados (num valor total de R$ 800).