O Centro de Reintegração Social (CRS) da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Santa Luzia, no Território Metropolitano, chega em 2016 a uma década de funcionamento, registrando uma taxa de reincidência criminal de 28%, bem menor do que a média do sistema penitenciário brasileiro, que supera os 70%. O centro nunca teve motim ou rebelião e hoje todos os 158 presos trabalham e 100 deles estudam. Em qualquer circunstância, esse desempenho já seria notável. Ganha maior relevância ainda por ter sido alcançado num ambiente que acolhe condenados com histórico de alta periculosidade, mau comportamento na prisão e altas penas a cumprir.

Na Apac Santa Luzia desde novembro de 2012, Wellington Vieira Borges é um exemplo de como o Método Apac aposta na máxima de que nenhum erro é maior do que o homem. A trajetória desse sentenciado, hoje com 43 anos de idade, poderia ser resumida nas penas que somam 88 anos de privação de liberdade, nas 13 fugas e nas dezenas de crimes violentos que cometeu. Os aproximadamente dez anos passados em celas antes de chegar à Apac incluem uma temporada no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) da Penitenciária de Francisco Sá, destinado a líderes do crime organizado.

Como líder de organização criminosa, Wellington acostumou-se a dar ordens. Na prisão, impunha-se aos outros presos e, quando foi possível, fugiu para não se submeter à disciplina. Mas, na Apac, teve de aprender a obedecer aos encarregados da segurança, presos como ele, e a seguir regras muito mais numerosas e rígidas.

A rotina diária no CRS começa às 7h, com uma oração coletiva, café da manhã no refeitório às 7h15. O trabalho começa às 8h em ponto, mas antes é preciso deixar a cela impecavelmente arrumada. As normas e orientações estão afixadas nas paredes, explicando até como dobrar e guardar roupas.

O almoço é de 12h às 13h, com retorno para o trabalho, que se estende até 17h. O jantar é de 18h às 18h30. Para os presos que também estudam, as aulas são no período noturno. Wellington, que faz um curso livre de formação de pastor, vai para a biblioteca, liga o computador e conecta-se à Faculdade Teológica Nacional. A jornada termina às 22h. Para todos os presos, começa o período de silêncio.

Parece difícil explicar essa mudança radical no comportamento de Wellington. Mas não para o próprio. “O amor sustenta esta instituição. Ele constrange qualquer pensamento de traição. Como vou decepcionar alguém que me trata com respeito, atenção e confiança? Impossível!”, argumenta o condenado.

A recomendação para a transferência de Wellington do isolamento do RDD de Francisco Sá para a Apac de Santa Luzia veio de onde menos se esperava. Como titular das ações criminais e defensor do interesse da sociedade, o Ministério Público tende a pedir à Justiça o máximo de rigor com o criminoso. Mas o comportamento de Wellington durante uma audiência produziu uma forte impressão positiva no promotor de justiça Hugo Barros de Moura Lima.

Na ocasião, o preso assumiu a autoria de um crime grave, ocorrido 10 anos antes, a despeito de não ter sido reconhecido pelas testemunhas e não haver outras provas para condená-lo. “Aquilo me sensibilizou, pois nunca havia visto alguém assumir culpa por um crime tão grave, sem levar vantagem alguma”, conta o promotor. Ele acrescenta que Wellington, na época, classificou a própria atitude, que lhe valeu mais 12 anos de pena, como um testemunho de conversão a Deus.

Repasses

As Apac’s são organizações da sociedade que auxiliam a Justiça na execução das penas de privação de liberdade. Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) repassa recursos para manutenção de 38 Centros de Reintegração Social de Apac’s, que têm aproximadamente 3 mil vagas. Em 2015, esses repasses somaram perto de R$ 32 milhões.

O governo estadual também repassa recursos para a construção de Centros de Reintegração Social (CRS’s) de Apac’s. Atualmente, quatro centros, com um total 492 vagas, nos municípios de Uberlândia, Itabirito, Manhumirim e Alfenas, estão em obras, representando um desembolso de R$13.079.787,22. Caracterizam as Apac’s a humanização do cumprimento das penas, a forte participação de voluntários e a corresponsabilização dos condenados pela própria reinserção ao convívio social, bem como pela segurança e manutenção dos centros. Esses últimos aspectos contribuem para que o custo mensal de um condenado em Apac’s seja, em média, de um terço do registrado no restante do sistema prisional do Estado.

Por: Bernardo Carneiro

Fotos: Carlos Alberto/Imprensa MG